segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

O que Há De Errado Com o Carnaval ????


O que há de errado com o carnava


Na televisão vejo “Se pintar uma grande paixão use camisinha”. Isso mesmo a paixão repentina deve terminar em sexo. Este é o slogan da propaganda especial de carnaval da Rede Gazeta capixaba. Nas farmácias há descontos especiais para lubrificantes íntimos e camisinhas. Meu amigo Daniel que está visitando sua família em Recife me alerta: “A abertura do carnaval em Recife se deu como um grande culto aos orixás que eram saudados o tempo inteiro, principalmente dois deles (que não lembro quais) que foram considerados os patronos do carnaval em Recife. Foram mais de 2 horas de louvor aos orixás. Apesar de muito bonito, carnaval em Recife é mais que uma manifestação cultural é culto”. E ao mesmo tempo vejo os crentes “progressistas” na internet raivosos com o “fundamentalistas” porque eles estão demonizando o carnaval, que segundo eles é apenas uma festa linda e inocente com pouquíssimos excessos.

Mas, O que há de errado com o carnaval? Afinal, porque a maioria dos evangélicos não participam do carnaval? Quais os limites entre o cristão e cultura? Existe cultura religiosa ou ideologicamente neutra? O que o carnaval significa nos meandros da cultura brasileira? O que significa estado de carnaval? Já digo logo, farei um juízo de fato e de valor também, mas a partir de uma perspectiva bíblica. No tempo que vivemos vale expor que por Bíblica quero dizer que utilizo os textos bíblicos como revelação especial de Deus para os homens, e por isso tem autoridade final sobre toda matéria e juízo ético moral social e espiritual, como se dizia na reforma “norma normativa”.

Antes de qualquer coisa, gostaria de falar um pouco sobre os apontamentos da história antiga que servem como possibilidade para o surgimento do carnaval, de fato temos várias fontes que servem de alicerce para o surgimento do carnaval que nós brasileiros conhecemos. Harvey Cox um teólogo liberal batista norte americano faz uma crítica ao protestantismo interessante, pelo afastamento da cultura popular dando espaço para o secularismo, mas a história que conta sobre o carnaval desconsidera as maiorias esmagadoras das fontes históricas das inúmeras festas populares que servem de suporte para o carnaval acontecer. Então precisamos voltar um pouco na história para compreender o DNA desta festa pagã com uma pseudo gênese cristã. 


2. Afinal de onde vem o carnaval?

Quando se pesquisa sobre a origem do carnaval, de pronto se acha a história do carnaval carioca, mas esta festa além de não ter origem brasileira é bem mais antiga do que nos parece, alguns historiadores atribuem seu início a celebrações egípcias, mas é praticamente consenso entre os pesquisadores que sua gênese é na cultura pagã helênica. 

De origem grega, esta era uma festa de louvor a Dionísio (nome grego), que é mais conhecido como deus Baco (nome romano), mas é a mesma entidade. Baco é conhecido como deus do vinho e fertilidade, as festas funcionavam como louvor pelas colheitas prósperas, pelos nascimentos dos filhos, e por qualquer outro motivo que seja digno de uma comemoração. O louvor a outros deuses que não seja o Deus criador de tudo, o Deus de Israel é considerado pelos cristãos como um pecado grave, advertido pelo próprio Deus quando deu sua Lei a Moises após a libertação do cativeiro.[1] Segundo o decálogo os que praticam essas coisas são inimigos de Deus e vão sofrer duras punições por isto. Veja: “Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti ídolo de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o SENHOR teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam.” [2]

Em todo o Império o sistema político e jurídico era predominantemente romano, mas cultura predominante era a grega, a mitologia grega era bem popular em todo o sistema cultural, então as festas dionisíacas eram bem presentes, pois isto quando Paulo estava em Atenas disse que o seu espírito se comovia em si mesmo, vendo a cidade tão entregue à idolatria. [3] A clara proibição divina no decálogo é afirmada por toda bíblia, portanto, meus amados, fugi da idolatria. [4]

Nos bacanais aconteciam orgias, eram comuns as sátiras as autoridades e governantes, e travestir-se com intenção de debochar de alguma estrutura, será moral, política, ladrões vestidos de governantes, prostitutas vestidas de donzelas e etc.. A estrutura da festa gira em torno do escárnio dos acordos éticos e morais de seu tempo.

No século VII o Ditador Pisistra, fez um templo para o deus Dionísio, isto deu certo impulso artístico, e algumas das primeiras peças de teatro foram feitas neste templo. Isto deu a festa ao deus Baco um caráter artístico, mas manteve a essência da adoração a este deus com muita bebida e orgias. A festa Dionísia é o verdadeiro oposto ao conceito cristão de mortificação que encontramos no novo testamento, dando espaço para pratica publica da fornicação, a impureza, a afeição desordenada, a vil concupiscência, e a avareza, que é idolatria. [5]

A etimologia da palavra Carnaval vem da junção das palavras “Carnnis” e “Valles”, Valles significa prazer, e “Carnis” é carne mesmo, então prazeres da carne. Acho que neste ponto vale a lembrança do que nos ensina o apóstolo Paulo em sua carta à igreja de Gálatas, justamente sobre supressão da vida espiritual para dar vazão à vida guiada pelo desejo. “Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: adultério, fornicação, impureza, lascívia, Idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, Invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro como já antes vos disse que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus.” [6]. Algumas pessoas erroneamente consideram o carnaval uma festa cristã, por ser uma festa que começa sempre antes de um tempo cristão, mas como já vimos sua origem é mais antiga que o calendário dos cristãos, ela funciona após o calendário cristão no império romano como uma reação e não tem nenhuma relação com proposta do calendário que era de remontar a história da salvação dos homens por meio da chegada do Messias no mundo, desde o nascimento de Jesus com o Natal até sua paixão e ressurreição na celebração da Páscoa Cristã. 

O carnaval é sempre antes da quarta-feira de cinzas, no ano de 1091, já com o papa Urbano II, se fixou uma data oficial para o período da Quaresma, quadragéssima dies, ou quadragésimo dia, tempo de preparação para a festa da páscoa, são 40 dias de preparação, jejum, oração até o dia ressurreição de Jesus. No entanto, para compensar as privações dos prazeres mundanos, surgiu, por parte dos fiéis, outro ritual, precedendo a esse último, para viverem a polaridade oposta. Pode se imaginar o aumento do consumo das carnes, além dos chamados "pecados da carne".

Na quarta-feira de cinzas algumas igrejas históricas marcam a testa dos fiéis com um sinal da cruz com cinzas, este ato rememora a antiga tradição do povo hebreu no antigo testamento, de jogar cinzas sobre a cabeça como expressão de arrependimento pelos pecados.

No século XIX já havia o costume de enfeitar os carros particulares dando origem aos carros alegóricos, neste tempo a música era polca, valsa, misturou com batuque, lundu, transformou-se no maxixe e por fim o samba. Mas o que temos no Brasil é uma diversidade muito grande desta manifestação cultural, temos o carnaval de trio elétrico com blocos que seguem estes carros de som, temos a Timbalada e existem escolas de samba que se apresentam para uma disputa com premiação em um lugar próprio com arquibancadas, temos o maracatu do baque solto, baque virado, rural, o frevo, os bloquinhos de rua e o carnaboi e o boi-bumbá, etc.

O carnaval como conhecemos hoje no Brasil tem forte contribuição luso-afro-ameríndia, temos uma influência do carnaval da França, que hoje quase esquecida, mas que era um grande baile de mascaras pelas ruas de Paris. Encontramos no meio do carnaval fragmentos da Comédia Italiana, que influenciou com suas colombinas, pierrôs e os arlequins. Portugal nos trouxe o entrudo que era um costume de jogar balões cheio de fezes e urina nas pessoas ou balões com perfumes, até esta pratica ser banida, e também trousse o Rei Momo; Momo (Reclamação) também de origem mitológica grega era uma das filhas que a deusa Nix, era um personagem que não gostava de nada e só reclamava, mas surge depois na cultura do carnaval como o um rei gordo e fanfarrão que autoriza a desordem durante o festejo de carnaval.

3. Mito da neutralidade cultural do carnaval

Os frequentadores de carnaval podem argumentar que esta festa não é religiosa então as pessoas de todas as religiões podem livremente participar, até porque não é um culto então é um evento que possui uma neutralidade religiosa. Esta afirmação só pode ser feita por pessoas com uma compreensão pequena sobre o que é religião porque para o cristão isto não faz nenhum sentido. Veja porque, para o cristão o ato de plantar e colher não é um ato cúltico, mas está totalmente ligado ao Senhorio de Cristo sobre todas as coisas. O ato de comer não é culto, mas também é feito com gratidão a Deus por ser considerado uma dádiva divina. Sina do seu cuidado. 

O que a maioria das pessoas se esquece, e que as grandes religiões monoteístas são narrativas do todo da vida, e através da visão que o fiel tem de Deus que ele compreende todas as outras coisas, religião não o que se faz no fim de semana, não é apenas o rito, mas as lentes pela qual se olha para si, para o outro e para o resto. Então por este formidável motor epistemológico é a causa da neutralidade religiosa de uma manifestação cultural como o carnaval é um equivoco.

Muitos dizem que o juízo argumentativo evangélico sobre o carnaval é arrogante, porque na antropologia moderna já não existe a ideia de cultura superior ou inferior, apenas o conceito de mais ou menos sofisticada. Mas o problema a inevitabilidade moral comparativa, é impossível não fazer juízo de valor sobre uma cultura. Como não questionar os valores culturais da Alemanha nazista? Como não julgar moralmente culturas extremamente machistas que promovem a mutilação do clitóris das mulheres para que não experimente a sexualidade como os homens. 

Estes que afirmam que a única antropologia cultural boa é aquela que se recusa a fazer juízos morais deveriam nos explicar como é possível se calar diante dos sacrifícios de crianças incas.

A contradição é que toda construção argumentativa a favor da neutralidade moral de uma cultura é edificada sobre pressupostos também morais, pois o barramento do juízo de valor sobre a cultura é feito sobre outro juízo de valor considerado superior, e todo juízo de valor é parte de um esquema moral, então dizer que nenhuma cultura é superior à outra, é dizer que a cultura que tem outra por inferior, esta sim se faz inferior, porque quem a julga é parte de uma cultura superior. Isto que se pode chamar de correr atrás do próprio rabo, isto é um tipo de petição de princípio.

Para o cristianismo a centralidade da vida, da existência de todas as coisas, e da ordem das coisas criadas está em Deus. Por consequência disto toda manifestação cultural que não segue o fluxo natural da adoração a Deus é uma cultura desordenada, toda cultura que não tem por finalidade última a adoração a Deus é essencialmente má, é pecaminosa, portanto toda cultura produzida após a queda é ruim e mal. Assim como todos os aspectos da vida e da criação, a cultura está sobre o juízo de Deus.

Mas se tratando de carnaval esta afirmação em defesa de uma neutralidade religiosa me parece meio forçada. Não é preciso fazer muito esforço pra perceber que o carnaval é uma festa com alto gral de vínculo religioso. Basta observar a noite dos tambores silenciosos em Recife, cerimônia religiosa sincrética que dá início ao carnaval no Pernambuco, conduzindo a cerimônia estão babalorichas e pais de santo ao som do maracatu e afoxé. Existe uma cerimônia de saída dos bonecos gigante de Olinda, e segundo a crença alguém deve morrer para dar vida ao boneco, a festa e as danças misturam o macabro com o regozijo, o aspecto religioso está presente em todos os aspectos. O maracatu é bem presente no carnaval pernambucano e as nações de maracatu estão ligadas a religião de matriz africana e/ou ameríndia, como o Candomblé ou Xangô e também a Jurema Sagrada. Mas há quem pense que o carnaval de passarela, de samba enredo da Marque de Sapucaí tem menos elementos religiosos. 

No carnaval de 2014 o renomado carnavalesco Caribé que também tem um centro de candomblé organizou toda a performance da escola união de Jacarepaguá, a fim de propagar o candoblecismo. Em entrevista para um site de notícias sobre o carnaval ele deixa claro como vê o carnaval como espaço para o discurso religioso[7]. A atriz Viviane Araujo fantasiada representando a pomba Gira na avenida, a tão falada comissão de frente da Salgueiro que diz homenagear “povo da rua”, mas ao invés de entrar alegorias do povo da rua vão entrar sete entidades da umbanda chamadas de zé pilintras, e sete mulheres serão pombas-gira. O elemento principal é exu.[8] Leia com atenção a apresentação oficial do enredo em 2015 pela escola mocidade alegre: 

“Sob a luz do carnaval, o G.R.C.E.S. Mocidade Alegre – eterna guardiã da cultura e das heranças afro-brasileiras – pede agô a todas as forças do céu, da terra e da vida para exaltar o maior fundamento de sua existência: o Samba!
Buscando as raízes mais profundas do ritmo que simboliza o país encontramos, nas matrizes africanas, Ayọ: força ancestral liberta de um tambor por Xangô. Por sua vitalidade intensa e fascinante, presente nas celebrações e nos rituais, Ayọ foi consagrado na África Ancestral como o orixá do som e da música!
A presença de Ayọ pode ser sentida por todos: a partir do momento em que um tambor é tocado, seu som reverbera e mexe com nossos sentidos, pois o coração bate mais forte, a pele arrepia, dá vontade de cantar, de dançar, de ser feliz...
Ayọ foi liberto por Xangô. Trazido ao Brasil pelos ventos de Oyá, foi espalhado por todo o Brasil pelo arco-íris de Oxumaré, fazendo os tambores ecoarem em diversos ritmos que se dialogam. Omolú, senhor [9]da Terra e suas entranhas, aqui o transmutou para que surgisse o samba: voz do povo brasileiro e símbolo de um país. Ogum, grande protetor do povo brasileiro e dos sambistas, zela para que o samba tenha alegria, comunhão e garra, o eterniza! Que rufem os tambores – com alma, com raça, com vibração – para que seja sentida por cada coração a força de Ayọ... A Alma Ancestral do Samba! Axé, Família Mocidade Alegre!”

4. Carnaval é tentar ser feliz e não conseguir

O carnaval no Brasil é um bombardeio propagandista de um estado de satisfação e felicidade. É um dos maiores eventos populares do mundo, e já não podemos falar do carnaval como uma festa única e sim uma festa múltipla. Temos vários carnavais espalhado pelos nossos diversos Brasis. Mas este brevíssimo e não conclusivo apontamento não é sobre a estrutura mecânica ou sociológica da festa, mas de algo que chamo aqui de Estado de Carnaval. Penso que devemos olhar de forma mais séria para a promessa de felicidade no imaginário popular do brasileiro ligado ao carnaval, uma felicidade que advém da festa, não só do carnaval, mas de qualquer festa. Mas especialmente no carnaval esta expectativa é dobrada. Mas não é por menos esta é a maior festa do país, há quem diga que somos o país do carnaval. O contraditório é que a grande maioria das pessoas buscam alcançar a vida boa por meio da ordem no trabalho, da ordem na família e da ordem na sociedade. 

O carnaval é conhecido pelo tempo suspensão moral, onde vale tudo, embriagar-se até cair no chão, perder o caminho de volta pra casa, sexo sem nenhum compromisso, sexo feito na rua irrompendo os limites da intimidade, beijar inúmeras pessoas enquanto segue o trio elétrico, ou mesmo usar qualquer tipo de droga sem qualquer intimidação. Carnaval na mente dos frequentadores é um estado de suspensão moral.

As pessoas utilizam outras categorias de pensamento para medir suas ações no período de carnaval, esta outra estrutura epistemologia que chamo de estado de carnaval. É uma estrutura moral guiada pelo desejo e pelo afeto puro, a razão funciona apenas como legitimadora da autonomia da vontade como um motor da autocompreensão, pois se pensar muito acaba não fazendo o que se pode fazer no carnaval. Estado de carnaval é suprimir as possibilidades de um amanhã consequente, e amar o desejo como se não houvesse amanhã.

Se o carnaval é a livre vazão do desejo então segundo a filosofia antiga está é uma festa antiética. A filosofia antiga tem por fundamento ético a felicidade, uma vida boa, por isto é chamada de ética eudeimonica. A ética dos gregos é uma ética da virtude, onde agentes muito bem educados buscam a felicidade não como um estado do corpo, então não pode ser a excitação sexual ou uma explosão de sensações de qualquer motivo. A felicidade não é uma atividade do corpo, mas da alma, divergindo com a compreensão contemporânea da felicidade como um estado psicológico. A felicidade para Aristóteles é o bem supremo, que é o fim ultimo de todas as coisas, que em São tomas de Aquino interpreta como o próprio Deus. 

“... para que uma escolha seja boa, tanto a razão deve ser verdadeira quanto o desejo deve ser correto. E este deve buscar exatamente o que aquela determina.” [10]

Uma escolha boa é fruto de uma razão que seja verdadeira, e o desejo está sobre o domínio desta verdade, determinado pela razão verdadeira, assim temos um desejo correto.

Toda ação no pensamento grego tem um pressuposto moral. E a moral pressupõe uma reflexão que combina pensamento e caráter. A ação deve ter por finalidade a felicidade, mas só alcançamos isto com a um pensamento moral.

"A origem da ação (causa eficiente, e não final) é a escolha, e a origem da escolha, e a origem da escolha está no desejo e no raciocínio dirigido por algum fim. É por isto que a escolha não pode existir sem razão e o pensamento ou sem disposição moral, pois as boas e as más ações não podem existir sem uma combinação de pensamento e caráter. "[11]

O carnaval é considerado um arauto da felicidade do brasileiro, somos considerados por outras nações como um dos povos mais felizes da terra, e esta imagem é mantida pela grande festa de carnaval que só no galo da madrugada arrasta mais de 2 milhões de foliões para as ruas do Recife antigo. Mas está é uma comemoração pelo que? É um tempo de alegria sem causa, é o festejo pelo acaso e a comemoração da sensação. Isto na verdade não deveria ser considerada felicidade, se Aristóteles estiver certo a felicidade é uma atividade da alma em consonância com a razão. Todo felicidade deve ser então ética, que só é possível por meio da virtude moral. 

O agir é satisfazer um desejo, e só sei se o desejo é bom pelo juízo da razão. Um cão não é feliz, é satisfeito, felicidade comporta uma moral e cão não tem moral. O carnaval desde seu gênese é uma promessa de felicidade por meio da liberação moral, mas esta libertação gera justamento o oposto, a imoralidade, por consequência felicidade. Já deu pra perceber quanto nos distanciamos da ética moral dos filósofos da Grécia antiga.

A felicidade é teleológica ou seja está a disposição de um fim, e para o homem é realizar seu próprio fim na forma melhor. Então ser feliz é cumprir sua essência, estar no lugar que lhe é próprio, cumprir o seu lugar na ordem criado por Deus. Então o que distingue o desejo bestial do desejo humano? O bestial é a pura satisfação do desejo, que não é suficiente para ser feliz. O desejo humano que finda na vida feliz é racional e moral. Não basta desejar tem que desejar bem. Não é difícil entender os altos índices de violência e morte, de acidentes no trânsito, de gravidez não planejada, de infecção por doenças sexualmente transmissíveis. O governo gasta milhões em financiamento da festa em propaganda contra violência e prevenção as DST´s e distribuição de camisinhas. Não é difícil de entender porque o efetivo policial nas ruas é quase dobrado, parece até que a cidade vai ser invadida por um povo violento, beberrão e tarado. Mas estão todos sobre o efeito do estado de carnaval, esta ilusão de felicidade que nega as consequências das ações, mas que não tem nenhum mecanismo para que a felicidade aconteça e nem para que a consequência das más ações não os atormente.

5. Ainda sobre a felicidade 

“Enquanto se tem à disposição mais possibilidades de satisfações, mais inacessível parece estar a felicidade do indivíduo hiperconsumidor.” Gilles Lipovetsky

O que Lipovetsky denuncia é que nosso tempo é testemunha de uma jornada que a humanidade trilhou rumo à felicidade, mas que desaguou em um circulo vicioso de angustia. O consumo não é a compra de produto porque ele é útil, mas porque a sensação de compra faz pulsar uma expectativa de que algo bom vai acontecer, um fetiche pelo novo. O hiperconsumo é o cosumo de sensações, como são apenas pulsos que dão sensação de vida entre o espaçado tempo de angustia a felicidade é apenas uma miragem. Mas este estado deplorável não aconteceu por acaso. 

A modernidade inaugura no pensamento cartesiano um racionalismo que finda em um abandono a ideia de transcendência, por meio da duvida metódica que é um processo puramente racional, então podemos chegar a um lugar seguro. 

Em Kant já vemos um imanentismo na primeira seção da fundamentação da metafísica dos costumes, Kant não precisa da ideia do bem, mas da vontade, a autonomia da vontade é o principio supremo da moral, uma moral boa não pressupões uma ideia de Deus. A vontade é a condição de possibilidade onde todos de forma autônoma podem chegar. A vontade está no centro o imbróglio da liberdade, o que podemos fazer a partir de nós mesmo. A vontade na critica kantiana é boa em si mesma, não há um meio para um fim.

Esta liberdade representada pela autonomia da vontade que é boa em si mesma, justamente por ser autônoma, é um virar de costas pra um ordenamento moral que seja extrovertido. O homem passa a olhar para si como centro do mundo e Deus se torna uma ideia de barramento para o despertar da potência interna do ser humano. É o homem tomando nas próprias mãos os rumos de sua história. Este humanismo secularista abre espaço para o historicismo e o materialista, e a cultura é vista como uma sucessão de consequências objetivas, mas isto da lugar para uma vazio de sentido, se nosso futuro está a mercê de uma mera consequência e não há nada para alem desta vida o homem vira uma máquina, seja na produção de bens ou de cultura. Não havendo uma esperança no amanhã o povo grita com um sorriso falso, “é preciso amar como se não houvesse um amanhã”.

Este homem perde a confiança em um Deus que lhe garantiria uma vida futura em um reino de paz, alegria eterna e amor verdadeiro. Não se espera mais do futuro, mas do agora, o paraíso deve ser realizado ate o fim do dia. Não existe amanhã.

Este processo de introversão, de interiorização, se aguda com a subjetividade freudiana, como alivio para os problemas da angustia humana, o homem olha para sua subjetividade com lentes grandes, este auto centramento impediu o homem de ver o caos se formar ao redor, e acorda com uma ferida narcísica por perceber como diz Nietsche, que o sol nasce independente de nós. 

Este homem hiperconsumista, imanentista e altamente psicologisado tenta instaurar o paraíso por meio do prazer eterno vivido em uma noite, surge a cultura das baladas, que no caso das raves dura bem mais que uma noite.

Agora perceba o signo do carnaval dentro deste cenário, é justamente um consumo de sensação é uma alegria que não chega e acentua a angustia. 


[1] Os Dez Mandamentos ou o Decálogo é o nome dado ao conjunto de leis que segundo a Bíblia, teriam sido originalmente escritos por Deus em tábuas de pedra e entregues ao profeta Moisés (as Tábuas da Lei). As tábuas de pedra originais foram quebradas, de modo que, segundo Êxodo 34:1, Deus teve de escrever outras. Encontramos primeiramente os Dez Mandamentos em Êxodo 20:2-17 e, depois, em Deuteronômio 5:6-21, usando palavras similares. 
[2] Êxodo 20:1 á 5. 
[3] Atos 17:16 
[4] 1 Coríntios 10:14 
[5] Colossenses 3:5 
[6] Gálatas 5:19-21 
[7] http://www.carnavalesco.com.br/noticia/unio-de-jacarepagu-quer-alertar-contra-intolerncia-religiosa/7345 
[8] http://extra.globo.com/tv-e-lazer/roda-de-samba/exu-sete-pombas-gira-na-comissao-de-frente-do-salgueiro-18508962.html#ixzz3z6noG3kA 
[9] http://www.mocidadealegre.com.br/index.php?id=1575 
[10] Erica a Nicômacos, livro VI. Seção 1139b. Aristóteles. 
[11] Etica a Nicômacos, livro VI. Seção 1139b. Aristóteles.

sábado, 19 de dezembro de 2015

Sínodo Diocesano

Com a presença de mais de 200 pessoas no  templo lotado, o Sínodo da  Igreja Anglicana Diocese do Recife aconteceu no inicio de Dezembro na Paróquia Anglicana Jardim das Oliveiras, em Boa Viagem.  Com a participação de aproximadamente 150 delegados, o sínodo foi lugar de alegria e gratidão a Deus por tudo que Ele tem feito pela sua Igreja. 

Neste mesmo evento o nosso pastor Eric (peruca) foi ordenado Diácono, e o nosso pastor Pedro Muniz foi instituído Ministro Local, cerimonia presidida pelos Bispos +Miguel Uchoa, +Evilásio e +Flávio Adair, e Bill Atwood (Acna/Gafcon).

A delegação da ancora que conta com os pastores e os guardiões Gustavo e juliana com certeza volta mais fortalecida, com a visão mais clara, e agradecida a Deus pelos cuidados que teve conosco, e com sua igreja.

Foram dias intensos de imersão no que Deus esta fazendo na terra, e de forma particular na Diocese do Recife, e este frescor vindo do alto entra pelas janelas da Ancora mexendo tudo de lugar. Deus seja louvado, avante soldados de Cristo!!!!!


Somos Ancora, Somos Diocese do Recife 


segunda-feira, 25 de maio de 2015

O NEGRO NA BÍBLIA


Am 9.7; Is 18.1-2
É num texto bíblico que tem sido procurada a justificação do escravismo e do racismo anti-negro, entre os cristãos (Gn 9e20-27). Por isso, convém lançar um olhar, ainda que rápido, sobre a Bíblia, num sentido mais amplo, para uma verificação mais segura do testemunho das Escrituras Sagradas sobre o negro.
Temos na Bíblia o testemunho da presença do negro no quotidiano da sociedade israelita:
  1. Um escravo negro (cuxita) foi o mensageiro escolhido para levar a Davi a notícia da morte de seu filho e adversário, Absalão (28m 18.21-32). Um escravo ou um mercenário negro, por ser um estrangeiro foi, talvez por isso, preferido pelo comandante Joab, para levar ao rei a trágica notícia.
2. Depois de ter lido em público os oráculos de denúncia e ameaça do profeta Jeremias, Baruque, seu secretário, foi intimado a comparecer diante dos grandes de Judá, levando-lhes o rolo (Jr 36.1- 26). O mensageiro enviado para convocar Baruque foi Jeudi, bisneto de um negro (cuxita; Jr 36.14; CNBB e NTLH).

3. Por sua mensagem, que aconselhava abertamente a rendição de Judá a Nabucodonosor, rei de Babilônia, Jeremias foi perseguido como traidor da pátria e entregue pelo rei Zedequias ao arbítrio dos príncipes. Estes o jogaram num poço em que não havia água, só havia lama (Jr 38.1-6). E o profeta se atolou na lama, correndo o perigo de se afogar e morrer. Aparece, então, um negro, um cuxita, cujo nome é dado como Êbed-Mélekh (literalmente, servo, isto é, ministro do rei). Ele vai ao rei, intercede por Jeremias e consegue permissão para salvar a vida do profeta. Esse negro é, portanto, alguém em alta posição na corte, tendo acesso direto ao rei, que o devia ter em alta consideração, e, por isso, atendeu seu pedido, embora fosse em desafio à decisão dos príncipes, diante dos quais o rei se confessara sem nenhum poder (Jr 38.3, 7-13). Essa foi uma ação tão notável que o etíope Êbed-Mélekh recebeu, em recompensa, um oráculo, por intermédio do próprio Jeremias, em que lhe era prometido livramento, quando acontecesse a destruição de Jerusalém pelo exército de Nabucodonosor. Sua vida seria poupada, porque ele confiara no Deus Eterno (Jr 39.15-19).
a) uma dama nobre, neta do rei Ezequias, casara-se com um etíope, com um negro, que veio a ser o pai do profeta;
b) ou, então, seu pai, este sim, neto de Ezequias, recebera o nome de Cuxita (etíope), em homenagem ao Egito, pais com que Judá se aliara em oposição à Assíria. Qualquer que seja a hipótese adotada, torna-se evidente a alta conta em que eram tidos os cuxitas (etíopes, negros) pela família real de Judá.
4. Duas coisas chamam a atenção no cabeçalho do livro de Sofonias (Sf 1.1). A primeira: é o único entre os profetas que tem seus antepassados citados até a quarta geração. Charles Taylor Jr. afirma: "A razão é, sem dúvida, porque o Ezequias mencionado é o rei daquele nome, que governara Judá de 715 a 687 a. C.,, A segunda: Sofonias é declarado filho do Negro (Cuxita). Podem ser formuladas duas hipóteses, para explicar esse caso:
5. Abraão foi o pai dos crentes, para judeus e cristãos, seu primeiro antepassado na fé (Gn 12..1-4a), que teve a honra de ser considerado um dos dois amigos de Deus, no AT (Antigo Testamento) (Is 41.8). Para os maometanos, ele foi um dos quatro grandes profetas: Ibraim, Musa, Issa e Maomé. Seu primeiro filho, Ismael, nasceu de sua relação com Agar, escrava egípcia, camita, portanto, negra, visto como Gn 10.6 e lCr 1.8 colocam Etiópia, Egito, Líbia e Canaã como filhos de Cam. Além disso, Deus sustentou, no deserto, essa mulher negra e seu filho e, mais ainda, concedeu-lhe o privilégio de uma teofania, isto é, apareceu diante dela e lhe falou (Gn 16..1-16; 17.23-27; 21.8-21). Através de Ismael, Agar se tornou a matriarca de numerosos povos beduínos que habitavam o sul da Palestina. E, segundo outras traduções, tornou-se uma ancestral de Maomé, o fundador do islamismo, tido como descendente de Ismael.
6. Da máxima importância, neste contexto, é uma tradução que envolve o próprio Moisés, o líder máximo do povo de Deus, no AT (Antigo Testamento), libertador do povo de Israel, em seu Êxodo do Egito, fundador da fé "javista." Grande profeta, que também teve o privilégio de ser considerado, como Abraão, um amigo de Deus. Homem ímpar, de quem se diz: "Nunca mais surgiu em Israel profeta semelhante a Moisés" (Dt 34.10-12). Existem três diferentes traduções sobre a origem étnica de sua esposa. Uma atribui a ela origem midianita (Ex 2.16-22; 3.1; 4.24-26; 18.1; Nm 10.29). Outra, uma origem quenita (Jz 1.16; 4.11). A terceira fala de seu casamento com uma cuxita (etíope, negra; Nm 12.1).. Em todas as três, o grande libertador de Israel tem por esposa uma mulher estrangeira. A terceira tradução fala de uma esposa etíope, embora num texto que contém algumas dificuldades. Qualquer que seja a solução das dificuldades, o texto indica, de maneira suficientemente clara, que se trata de um casamento recente e, por conseguinte, a esposa mencionada não era Zípora. E mais, que a causa da rebelião de Minam foi a posição de Moisés como mediador único entre Deus e o povo (Nm 12.2). Conclui-se, então, que não há nenhuma recusa contra o fato, que é aceito, portanto, como normal, de que o fundador e legislador do povo de Israel, -- o homem com quem Deus falava "face a face", a quem colocara "como responsável" por todo o seu povo, -- o fato de que Moisés tivesse desposado uma cuxita, uma mulher etíope, uma mulher negra.
7. Salomão foi, segundo a tradição, o mais sábio, o mais rico e o mais famoso dos reis de Israel, e construtor do primeiro templo de Jerusalém. Pois bem, entre as mais importantes raínhas-esposas de Salomão, estava a filha de um faraó da 2 ia dinastia, o faraó Shishak (cerca de 945-924 a.C.), pertencente a uma dinastia de famosos mercadores. Essa egípcia era a mais importante das raínhas-esposas. Seu pai tomou a cidade de Guézer dos canaanitas e deu-a como dote à filha, à esposa camita, à rainha-esposa negra de Salomão (1Rs 3.1; 9.16; 11.1).
II
Temos, na Bíblia, o testemunho sobre a imagem dos negros como pareciam aos olhos dos israelitas:
1. Os etíopes habitavam num país distante, remoto (Ez 29.10; Et1.1; 8.9), que ficava nos confins da terra (Sl 72.8-9).. No mundo da cultura grega, igualmente, Homero, no nono ou oitavo século a. C., dizia: "Posêidon, porém, partira para longe, em visita aos etíopes, que vivem nos confins da Terra..." (Odisséia 1.22-24).
2. Seu país era muito rico (Is 45.14a; Jó 28.19). Também no mundo da cultura grega, talvez um século depois dessa passagem bíblica, Heródoto fala de presentes enviados por Cambises, da Pérsia, a um rei dos etíopes: "um traje de púrpura, um colar de ouro, braceletes, um vaso de alabastro cheio de essência e um barril de vinho de palmeira"; e registra que só em relação ao invento do vinho o rei etíope admitiu a superioridade dos persas. Relata que, na prisão a que o soberano etíope levou, em visita, os emissários de Cambises, todos os presos estavam agrilhoados com correntes de ouro, pois, afirma Heródoto, entre os etíopes não era o ouro o metal mais raro e precioso, mas o cobre (História, livro m, cps. XX-XXIII).
3. Eram um povo guerreiro. Um povo forte e orgulhoso, de quem o mundo inteiro tinha medo (Is 18.2; cf. 2Cr 14.8). Esse capítulo de Isaías de Jerusalém (8o. século a..C.) fala-nos de mensageiros, de diplomatas etíopes, que tinham vindo tentar conseguir a participação de Judá numa rebelião geral contra a dominação dos assírios (Is 18.1-2a). A Etiópia estava no auge de seu poder. Em cerca de 725 a.C., Pianki empreendeu uma vitoriosa campanha militar para o norte, chegando até o mar Mediterrâneo, e unificou o Egito. Pianki tornara-se, assim, o primeiro conquistador estrangeiro desse pais. Por cerca de sessenta anos, na 25a. dinastia, os soberanos etíopes controlaram todo o vale do rio Nilo, até 663, quando os assírios, sob Assurbanipal, tiraram, finalmente, o Egito de sob seu poder. Um desses soberanos, Tiraká, parece ter até tentado proteger Ezequias, rei de Judá, contra a segunda invasão de Senaqueribe, rei da Assíria (2Rs 19.9; Is 37.9), entre 689 e 686 a.C. Um século mais tarde, ao prever a queda de Ninive (portanto, do império assírio), o profeta Naum cita a destruição de Tebas e, recordando o período áureo do poderio etíope, diz: "A Etiópia era a sua força." (Na 3.9). Isaias, no oitavo século a.C., diz da Etiópia do seu tempo: «Povo forte e poderoso; um povo de quem o mundo inteiro tem medo" (Is 18,2df).
4. Mas é em Jr 13.23,-- que alguns comentadores cristãos têm interpretado como se os antigos israelitas compartilhassem o moderno preconceito racial ocidental, que identifica o negro com o mal -- onde pode, ao contrário, ser encontrada uma confirmação da fama guerreira dos etíopes: "Pode um etíope mudar a sua pele, ou um leopardo tirar as suas manchas?" Temos aqui um claro paralelismo, recurso estilístico dos mais importantes da poesia hebraica. Aqui ele é sinonímico, isto é, os termos do hemistíquio se eqüivalem, um por um, termo por termo:
  1. pode um etíope / b. mudar a sua pele,
a'. ou um leopardo / b'. tirar as suas manchas?
A associação dos termos é bastante espontânea e significativa: Etíope, homem de uma nação poderosa e ameaçadora, que causava medo por seu valor militar; Leopardo: animal feroz, imagem da força, da rapidez no bote, da agressão violenta (Os 13.7; Is 11.6; Jr 5.6; Hab 1.8; Ct 4.8; De 7.6).
Não se trata, portanto, de preconceito racial. Quando muito, se trata de um ressentimento implícito, gerado pelas freqüentes situações de guerra, nas quais esse "povo de quem o mundo inteiro tem medo" aparecia, ou no papel de inimigo ou como guerreiros mercenários, lutando lado a lado com o Egito, apoiando seu imperialismo (1Rs 14.25s; 2Cr 14.8-14; Na 3.9; Jr 46.9; Ez 38.53). O etíope, o negro, temível guerreiro, é comparado, por uma livre associação de idéias, a um verdadeiro leopardo feroz. À imagem do etíope associava-se a imagem do leopardo, o que, nem de longe, se compara aos estereótipos que se ligam à imagem do negro, em nossa sociedade.
5. Os etíopes, os negros, eram vistos pelos olhos dos israelitas antigos, como homens belos. As palavras lisonjeiras da diplomacia com que Isaias se refere a eles (Is 18.2bcd) transpiram admiração. Falam de sua alta estatura, de sua pele lisa, lustrosa, suave. Também nisso concorre e concorda o mundo da cultura grega. Heródoto, já citado anteriormente, diz a respeito dos etíopes: "Dizem que os etíopes são, de todos os homens, os de maior estatura e de mais bela compleição física... Entre eles, o mais digno de usar a coroa é o que apresenta maior altura e força proporcional ao seu porte" (História, Livro III, cp. XX).
6. No Cântico dos Cânticos 1.5, fazem da noiva-rainha uma mulher morena, uma mulher trigueira, uma mulher escura. Mas bons dicionários da língua hebraica nos garantem afirmá-la uma mulher negra. Ela não diz: "Sou morena", mas, "Sou negra" (heb. Sh.hora 'ani). E não diz: "Sou negra, mas sou formosa"; Diz: "Sou negra e formosa" (heb. W.na'wah). A conjunção waw pode ter sentido adversativo, mas é, normalmente uma simples conjunção aditiva. Pode-se, portanto, com fez a LXX, traduzir: "Sou negra e formosa" - Mélaina elmi kai kalê.. Fica quase a certeza de que o senso estético preconceituoso e etnocêntrico dos tradutores ocidentais não lhes permite dizer, simplesmente, "negra e formosa"; preferem dizer "negra, porém formosa" ou «formosa, embora negra". E nem mesmo «negra" a dizem. Como grande parte dos brasileiros, inconscientemente (?) preconceituosos, preferem chamá-la "morena". E nada empana, nem mesmo essa noiva negra e formosa, esse amor entre a noiva e o noivo, descrito de maneira tão poética, tão livre e eloqüentemente, que faz do Cântico dos Cânticos um dos mais belos poemas de amor da literatura universal.
III
Mais do que isso, temos na Bíblia o testemunho bastante explícito sobre o lugar dos etíopes, dos negros, no propósito universal e escatológico de Deus:
1.. Sua conversão está anunciada abundantemente. Haverá o dia em que também eles trarão ao SENHOR as suas oferendas. Todas as nações distantes louvarão o SENHOR. Todos os povos abandonarão seus ídolos e adorarão e obedecerão somente ao SENHOR (Is 41.1,5; 42.4,10,12; 49.1; 18.7). Superada a alienação, a idolatria, os povos chegarão a reconhecer no projeto da Aliança o único caminho possível (Is 45.14).
  1. Na mesma perspectiva, falam:
  1. o salmo 68, especialmente os versos.. 29-32, onde se encontra a seguinte promessa: "E a Etiópia estenderá as mãos para Deus";
b) o salmo 87, onde se declara que "O SENHOR escreverá uma lista dos povos, e nela todos eles serão cidadãos de Jerusalém"(v.6); e, entre esses povos, são citados, especificamente. os etíopes: "Os povos da Filistéia, de Tiro e da Etiópia eu tratarei como se eles tivessem nascido em Jerusalém" (v.4b).
3. Mais significativo ainda é Am 9,7.0 SENHOR Deus é o Senhor de toda a história humana e todos os povos são iguais diante dele. Israel não deve presumir ter mais importância para o SENHOR do que os etíopes, os negros: "Povo de Israel, eu amo o povo da Etiópia tanto quanto amo vocês". Os filisteus e arameus foram também objetos do cuidado divino, e suas migrações foram igualmente dirigidas pela vontade soberana do mesmo Deus que tirou Israel da terra do Egito e lhe fez a dádiva da terra "que mana leite e mel". Esse universalismo expresso no oráculo do profeta nega a qualquer povo uma relação exclusiva com Deus e afirma a igualdade de todos eles aos olhos dele. E a relação que é primeiro apresentada nessas vigorosas palavras é a do SENHOR com os etíopes. Essas palavras combatem qualquer veleidade de orgulho nacional e, para o nosso tempo e para a nossa sociedade, qualquer sentimento de orgulho racial.
4. É nessa mesma linha que se coloca a narrativa da conversão do oficial superior, tesoureiro real, da corte da rainha Candace da Etiópia. A conversão se deu por intermédio do ministério do evangelista Filipe (At 8.26-39). O texto é de grande importância, pois mostra:
a. como os helenistas, tendo evangelizado Samaria, partem para a evangelização das nações, de acordo com o programa do Senhor Jesus, em At 1.8;
b. um trabalho missionário cristão com uma estrutura reduzida e sob a orientação direta do Espírito Santo; embora, assim mesmo, esse trabalho estivesse subordinado aos apóstolos, em Jerusalém;
c. sobretudo, para os afro-descendentes, é importante porque mostra que o primeiro não-judeu introduzido, pelo poder e pela orientação do Espírito Santo, no novo povo de Deus, era um etíope, um negro.
Cumprem-se, portanto, no Evangelho de Cristo, a promessa e a esperança do AT. A partir de Is 53.7-8, que o eunuco está lendo, Filipe lhe anuncia a Boa Nova a respeito de Jesus. E ele aceita, imediatamente essa Boa Nova, Para José Combím: «O africano representa aqui um papel messiânico. Foi escolhido para representar a multidão de nações que viriam até das extremidades da terra pra formar o único povo de Deus". Era um homem rico e proeminente. Viera do norte da África, da região hoje correspondente ao Sudão, para adorar. Era um homem que estava diligente, sincera e insistentemente. buscando alguma coisa. Inquieto, procurava alguma coisa que jamais tinha conhecido antes - e a encontrou. Era um homem negro, que se tornou as primícias das missões cristãs em todo o mundo não-judaico. Ele tornou-se o antepassado de todos os homens negros, afro-descendentes, ganhos para a fé em Jesus, nesses vinte e um séculos de história da Igreja e da missão cristã. Um símbolo de inclusão no projeto do Deus que não faz acepção de pessoas e que, se jamais manifestou alguma preferência, foi pelos oprimidos, os humilhados, os excluídos.
CONCLUSÃO
Do ponto de vista da Bíblia, não há, portanto, por que nós, afrodescendentes, carregarmos nossa negritude como se fosse um fardo, uma humilhação, idéia nefasta essa que o racismo anti-negro presente em nossa sociedade insiste em introjetar, desde nossos primeiros anos de escola, de diversas maneiras, em muitos de nós. A Bíblia reconhece um Deus que inclui no seu projeto de salvação até mesmo "os confins da terra" e os humilhados deste mundo. A Bíblia dá testemunho da beleza e da força da mulher negra e do homem negro. E esse reconhecimento e esse testemunho devem constituir um poderoso impulso para nós, negros cristãos, em nossa luta pela igualdade de oportunidade, pela nossa cidadania, pelo pleno reconhecimento de nossa humanidade!
---------Joaquim Beato
Faculdade de Teologia Richard Shaull

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Dia de Pentecostes


Nas suas origens, o Pentecostes era uma festa agrícola judaica em que se ofereciam a Deus os melhores feixes da colheita. Era uma festa não só de alegria e de encontro das famílias, como também de partilha com os mais necessitados.
Era celebrada sete semanas (cinquenta dias) depois da Páscoa, encerrando as solenidades pascais. Por isso, também se chamava Festa das Semanas.
A partir das reformas de Esdras e Neemias, em meados do século V a.c., a Festa de Pentecostes passou a celebrar o Dom da Lei no Sinai, a festa da Aliança entre Deus e o povo.
Com base nas tradições e nos costumes judaicos a respeito de Pentecostes, Lucas construiu sua narrativa para falar de um novo Pentecostes: a presença do Espírito Santo guiando a missão dos evangelizadores no anúncio da Palavra de Deus.
Assim, cinquenta dias após a Páscoa, a Festa de Pentecostes celebra o dom do Espírito Santo enviado por Deus à Igreja.
A promessa de Jesus aos seus discípulos se realiza: "Mas recebereis o poder do Espírito Santo que virá sobre vós, para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra" (At 1,8).
Jerusalém é o lugar onde termina o "tempo de Jesus" e começa o "tempo da Igreja". Os "atos" de Jesus começam na Galiléia e terminam em Jerusalém. Os "atos" dos apóstolos começam em Jerusalém e vão até os confins do mundo.
Portanto, Jerusalém é ponto de chegada e ponto de partida. É o lugar da manifestação do Espírito Santo de Deus, que encoraja os apóstolos para a missão.
No dia de Pentecostes, os discípulos estavam reunidos em Jerusalém. Depois dos acontecimentos da Páscoa, ficaram cheios de medo. Viviam juntos, desligados do mundo, mas eis que o Espírito Santo, dom de Deus, veio sobre eles.
Assim, aquele grupo de homens e mulheres amedrontados adquiriu a consciência de ser uma comunidade, uma Igreja, isto é, o corpo místico de Cristo. Todos sentiram que Jesus estava entre eles, mais ainda do que antes, porque, na realidade, Jesus não mais estava com eles, estava neles.
Então a Igreja se manifestou publicamente e começou a difundir o Evangelho mediante a pregação.
Nos dias que antecedem Pentecostes, a oração é o melhor caminho para se entrar em intimidade com o Espírito Santo e cultivar sua amizade. Se nos deixarmos conduzir pelo Espírito Santo, nossa oração será espontânea, contínua e brotará como uma fonte de água fresca que jorra da rocha.
Ao invocarmos o Espírito de Amor, enchemos a alma de alegria plena e inundamos o coração de paz inalterável.
Crer no Espírito Santo, entretanto, não é só crer na existência de uma terceira pessoa na Trindade, mas crer também na sua presença entre nós, em nosso próprio coração.
Crer no Espírito Santo significa bendizê-lo, adorá-lo e glorificá-lo em nós mesmos e no outro.
Fonte: www.paulinas.org.br